22 de junho de 2010

Fúria Lupina Brasil - Degustação 7


Nota: este é um capítulo de degustação do livro "Fúria Lupina - Brasil" (2010). Para ler outros capítulos, CLIQUE AQUI.

Pilares da Sabedoria

A noite é escura em Joanópolis. Uma leve neblina escorre por entre as árvores e cobre a vegetação rasteira. Em meio à mata isolada, nada se move, nenhum som é ouvido. Parece que toda a floresta parou, demonstrando respeito e temor às criaturas que andam à solta por ali. Em um ponto de difícil acesso, cinco membros da alcateia iniciam o ritual. Rui, Júlia, André e Lucinda estão sentados, na forma de lobisomens, cada um assumindo a posição de um ponto cardeal, formando uma espécie de círculo, com as costas voltadas para o centro. Nesse centro está Caroline, de pé, vestindo um manto cinza. Outros membros circulam pelas redondezas, garantindo a privacidade e a segurança das quais a situação necessita.
"Nós, como os quatro pilares da sabedoria, responsáveis por passar adiante os conhecimentos não escritos acumulados por gerações, seremos seus mentores neste rito de passagem. Iremos ajudá-la a fortalecer seu vínculo mental com o grupo e a orientá-la na sua primeira transformação. É somente através da mente que nos comunicaremos nesta noite, e por isso você está proibida de usar linguagem verbal durante o ritual. Não se preocupe em tentar identificar de quem vem a mensagem telepática, pois neste instante todos nós somos apenas um."
"Somos todos filhos de Arcádia, herdeiros de Licaonte. Os Lopo são originários da região da Serra da Estrela, em Portugal. Chegará o dia em que você partirá em viagem à terra-mãe, para conhecer suas raízes e redescobrir a si mesma."
Caroline sente um frio intenso, cortante, ampliado pela sensação térmica causada por um vento forte que açoita seu corpo lateralmente. A seus pés, a brancura da neve, estendendo-se pelo declive onde mantém-se em observação. Mais abaixo, um relevo acidentado, com formações rochosas rompendo o manto branco, e além, onde o verde predomina, uma estrada antiga serpenteia pelo vale.
E é no limite onde a neve deixa de existir, que ela visualiza sua presa: um imenso javali esgueira-se entre as rochas. Ela se prepara para o galope morro abaixo, quando é interrompida pela voz de seus tutores, trazendo sua mente de volta à floresta de Joanópolis, fazendo desvanecer sua visão da Serra da Estrela.
"Para cá viemos, atraídos pela força mística que este lugar emana. Muito tempo antes desta cidade ser batizada com o nome de Joanópolis, nós fixamos residência neste local sagrado, protegido pela fortificação natural que hoje é chamada de Serra da Mantiqueira, rico em vida, vegetação e recursos hídricos. Aqui crescemos e nos desenvolvemos na plenitude que este paraíso proporciona. As famílias Veiga e Pastrana para cá vieram pelos mesmos motivos, e hoje formamos uma irmandade de poder e colaboração que nos fortalece mais ainda."
Novamente, a menina observa uma paisagem do alto de uma montanha. Os baixios verdejantes, as nascentes e os contrafortes que banham sua visão, iluminados por um sol puro e reconfortante são familiares, pois ela nasceu neste ambiente. O tempo, porém, é outro, pois a cidade ainda não existe neste vislumbre mental.
"Atualmente, somos um povo discreto e desconfiado, mas nem sempre fomos desse jeito. Na antiguidade, éramos os guerreiros mais ferozes em campo de batalha e nos orgulhávamos de nossa condição. Porém, na Idade Média, ocorreu um grande extermínio, promovido pela igreja cristã, que quase dizimou nossa raça, juntamente com muitos humanos inocentes, massacrados sob a falsa acusação de serem homens-lobo. Nosso senso de autopreservação nos impeliu a viver nas trevas, cada um por si, para que pudéssemos manter nossa linhagem. Somente neste século é que foi resgatada a ideia de unir todos os homens-lobo do mundo, através do projeto batizado de Alcateia Global, capitaneado por um estudioso da Noruega, que você terá o prazer de conhecer um dia."
Durante esta citação, a menina-lobo sente uma depressão repentina, um mal-estar que se apossa de seu corpo. Apesar de durar apenas um segundo, deixa-a um pouco abalada.
"Sobre a sua metamorfose, prepare-se para suportar a maior dor que seu frágil corpo já experimentou nesta vida. Não tente abortar o processo de transformação antes de concluí-lo, pois isso terá uma consequência desastrosa: você nunca mais será capaz de se transformar, ficando presa à sua forma humana para sempre e, por conseguinte, se tornará um ômega da alcateia. Esse membro não tem poder de decisão e é totalmente subalterno aos membros alfa e beta. Entenda como alfa todos os líderes do grupo, que acumulam tarefas de liderança, decisão, estratégia e reprodução. O indivíduo beta está um degrau abaixo, prestando submissão ao alfa e, recebendo permissão, também pode se reproduzir."
Novamente, a insegurança toma conta da garota, um medo primitivo de não ser digna do que lhe está sendo oferecido. Ela começa a suar frio e a tremer de nervosismo.
"Sua jornada de autoconhecimento começa agora. Você se transformará e, imediatamente, deve buscar uma presa não humana. Através do conhecimento genético, que é uma herança valiosa de nossa raça, você saberá como caçar, se movimentar e utilizar os sentidos em sua nova forma. Deve devorar sua caça na nossa presença, e logo depois partir para os montes, onde procurará um lugar seguro e isolado para cavar uma toca."
"Nela, permanecerá em meditação e jejum, na sua forma de loba, por três dias. Isso unirá suas consciências humana e lupina, tornando-as uma só, fazendo-a alcançar sua plenitude. No seu retorno, cada membro iniciado da alcateia, do mais novo ao mais velho, lhe passará conhecimentos específicos que serão importantes na sua nova vida."
"Para encerrar, você deve respeito e obediência ao seu grupo, os seus iguais são o maior tesouro que você possui. Independente de onde você estiver, lembre-se sempre de quem você é. Faça sempre o seu melhor, porque isso é o mínimo que você pode fazer. Seja grata por sua condição."
"É com muito orgulho que saudamos nosso mais jovem membro! Rompa seu frágil casulo humano e abrace sua nova vida!"
Uma sinfonia de uivos ecoa por toda a floresta, e Caroline inicia sua transformação, suportando heroicamente todos os rigores do sofrimento físico que isso traz. Levanta-se eufórica e orgulhosa, fitando espantada suas poderosas garras, sua densa pelagem mesclada de marrom e negro, típica do lobo ibérico. Seu coração explode de alegria, e o uivo que ela libera não deve em nada ao de seus irmãos.
Apesar de seu pequeno porte, irradia uma magnificência e um vigor dos quais somente uma fêmea alfa tem o poder de ostentar. Em plena corrida ela parte, saboreando avidamente tudo o que seus novos sentidos oferecem. Acaba de surgir a loba mais poderosa que esta cidade já concebeu.

Fúria Lupina Brasil - Degustação 6


Nota: este é um capítulo de degustação do livro "Fúria Lupina - Brasil" (2010). Para ler outros capítulos, CLIQUE AQUI.


Um Diálogo Inquietante


Pantanal mato-grossense. É aqui que o garoto José Dante se sente em casa. Sempre que possível, ele foge para este refúgio sagrado, que fica a aproximadamente uma hora de caminhada da sua casa. Em meio aos charcos, florestas e campos, sente uma paz infinita. A explosão de vida que presencia aqui é indescritível, uma sensação inebriante de fazer parte de um ambiente tão rico, tão vasto, tão desafiador, onde se sente reconfortado, e não junto às pessoas com as quais é obrigado a conviver.
Quando está na cidade, sua vida é um tormento. Desprezado pelo pai, odiado pela madrasta, evitado pela avó e simplesmente ignorado pelas irmãs. Na escola, sempre que há uma chance, é humilhado pelos colegas, que caçoam de seu corpo franzino, suas orelhas grandes, suas sobrancelhas unidas. Costuma ser vítima dos piores tipos de brincadeiras de mau gosto.
Assim, aos dez anos de idade, Dante é uma criança arredia e introvertida. A única pessoa com a qual tem afinidade é a sua madrinha, que infelizmente se mudou para Cuiabá, após a morte de seu padrinho, por causa da malária.
Ao contrário do que pode parecer, ele não é uma pessoa triste. Aprendeu a se contentar com o que tem, e a única alegria que tem na vida é invejada por muitos: o convívio pleno com a natureza. Ele não tem medo de jacaré, cobra, insetos, tempestades, inundações, apenas os respeita. Neste exato momento, está passeando por uma mata densa, úmida, o verde preenchendo toda a sua visão, o solo argiloso cedendo levemente sob seus pés.
Ao notar uma movimentação na vegetação logo à frente, para sua marcha. Com o coração batendo forte, mais de excitação do que de temor, tenta adivinhar com qual bicho vai se deparar: cervo, capivara, cachorro-do-mato, tamanduá, quati, talvez até uma onça-pintada.
Mas, para seu assombro, é uma pequena mulher quem surge no seu campo de visão, com aproximadamente um metro e meio de altura, cabelos compridos de um vermelho vivo, bastante enrolados. Ela usa um vestido esfarrapado e apresenta um defeito nas pernas, que faz com que estas fiquem arqueadas, e dificultem seu caminhar. Dante arregala os olhos ao notar que os pés da mulherzinha sardenta são virados para trás, torcidos de uma forma estranha.
– E então, garoto-bicho de Poconé, porque tu te demoras tanto em vislumbrar a minha pessoa?
– Você me conhece? Por que me chamou de bicho? O que faz aqui no mato? – foi a frase mais longa que o garoto pronunciou nos últimos meses.
– Não surge um da tua espécie em meus domínios sem que eu tenha conhecimento. Chamo-te de bicho porque és da raça dos guará, e isso define muito o teu jeito solitário. Tu tens essa carinha de bobo, mas concentras grande poder dentro do teu corpo mirrado, esperando apenas a hora certa de se manifestar.
– Tá fazendo chacota de mim?
– Não sou disso! – exclamou a pequena mulher, de idade indefinida, em tom altivo – E ouve bem o que digo, pois poucos têm esse privilégio: em sete cemitérios, de sete cidades diferentes, acontecerão os fatos mais marcantes da tua vida, e percorrendo-os encontrarás teu destino.
– Não tô entendendo...
– Guarda minhas palavras, e elas farão sentido no momento oportuno! – ela começa a se embrenhar na mata novamente, e é uma voz distante e abafada que prossegue – Ninguém consegue me seguir, e mesmo tu não conseguirás. Nunca mais me verás, mas eu sempre acompanharei teus passos.
Naquela noite, o garoto não conseguiu dormir. Inquieto, mantinha na memória o encontro com uma pessoa que ele não sabe quem é, nem o que suas palavras queriam dizer. O que o incomoda é que ele sente que isso terá muita importância na sua vida.

4 de junho de 2010

Fúria Lupina Brasil - Degustação 5


Nota: este é um capítulo de degustação do livro "Fúria Lupina - Brasil" (2010). Para ler outros capítulos, CLIQUE AQUI.

Experiências Sádicas

Charlene está exausta, machucada, deprimida. Ela está dentro de uma jaula quadrada, de grades grossas, com um tamanho aproximado de três metros por dois. Dois lados da jaula estão obstruídos por paredes, pois ela está em um canto de um grande porão, que cheira a terra úmida, mofo e excrementos. Ela sente frio, e sua respiração é difícil, porque aqui é muito abafado.
Olhando através de um dos lados livres de sua jaula, consegue enxergar suas irmãs, Rachel e Sarah, em igual situação, cada uma delas em um canto. O que elas têm em comum: estão aprisionadas, feridas, em forma de lobo, e foram traídas pela mãe.
Subindo as escadas do porão, nos deparamos com dois caçadores sentados em cadeiras toscas e velhas, em uma grande cozinha com ar de abandono, que faz parte de uma propriedade rural alugada, no estado do Maine (EUA). Joe Vansing faz um brinde de bourbon com seu amigo Ted Guent, velho parceiro de caçadas no norte do país, que passou a ser seu braço direito na caça aos “cães do inferno”, como ele mesmo chama às espécies de lobisomens. Eles comemoram os dez anos desde a morte do garoto-lobo sob o machado de Joe, naquela estrada deserta do México.
– Ao número um! – brinda Vansing.
– E às dezenas de cães que já mandamos para o inferno nesses dez anos! – complementa Ted, entornando seu bourbon.
O que os dois têm em comum, além do corte de cabelo no estilo mullet e a idade bem próxima (já passam dos trinta), é o gosto por perseguir, atacar e matar lobisomens, se possível torturando-os antes de despachá-los para o além. Guent já tentou fazer faculdade de biologia e de veterinária, sempre desistindo, pois gostava mais de matar seres vivos do que estudá-los. Por causa disso, ele agradece aos céus todas as noites a oportunidade que o amigo lhe ofereceu, de poder exterminar uma praga do seu país, e ainda ser pago para isso.
– Um brinde também a Margareth, a mãe do ano! Se não fosse por ela, não teríamos evoluído tanto na nossa pesquisa sobre esses bichos, hein, Joe?
– Um brinde a essa querida fanática religiosa, que nos entregou suas filhas de mão beijada, por achar que elas são um castigo divino!
– Viva a maluca! Ha-ha-ha!
***
Charlene (agora com dezesseis anos) e as gêmeas Sarah e Rachel (ambas com catorze) sempre foram reprimidas pela mãe. Após a morte do pai, há dois anos, isso piorou mais ainda. Margareth se afundou no fanatismo religioso, e quando a filha mais velha apresentou os primeiros sinais de que seria uma menina-loba, a mãe a convenceu a não “cair nas tentações de Satanás”, porque o seu mal seria curado através da oração.
O mesmo aconteceu com as gêmeas, assim que completaram treze anos. Por causa de ir contra sua natureza lupina, as garotas definhavam, viviam sentindo dores horríveis pelo corpo e apresentavam um aspecto horrível, com profundas olheiras, a pele com um tom acinzentado, além de tremedeiras, vômitos e convulsões.
Cada vez mais, eram obrigadas a ler a bíblia e orar pela sua cura. Acabaram isoladas dentro de casa, longe dos olhares curiosos da vizinhança. Até que um dia o inevitável aconteceu: Charlene, por não conseguir mais refrear sua ânsia pela transformação, transmutou-se involuntariamente em plena luz do dia, dentro de sua casa. Incontrolada, ela rasgou o colchão de seu quarto, quebrou móveis e espalhou suas roupas pelo recinto.
Tudo isso durou apenas alguns minutos, pois ela estava tão fraca que logo desmaiou e voltou à forma humana. A mãe, sem pensar duas vezes, ligou para o número de telefone que o pastor havia lhe passado. Ela queria se livrar desse problema de qualquer jeito.
A dupla de caçadores já era conhecida nos meios sensacionalistas da imprensa estadunidense, sendo motivo de piada em todo o país. Mas eles não se importavam, pois quem tinha problema com lobisomens de verdade os contratava, e pagava muito bem pelo serviço. Parecia que as autoridades faziam de conta que não sabiam de sua atuação, visto que eles faziam um bem para a nação, segundo eles mesmos.
No caso das três irmãs, a dupla enxergou uma oportunidade de colocar em andamento algumas experiências que estavam engavetadas, por causa de nunca conseguirem capturar um espécime vivo. Assim, fizeram o serviço com desconto, solicitando também o aluguel de uma propriedade no estado em que Margareth vivia, que fosse isolada e espaçosa.
No dia combinado, eles viajaram ao Maine com os equipamentos necessários, se apresentaram na casa das meninas como funcionários de uma clínica de repouso e as levaram para o seu cativeiro, com o consentimento da mãe. Ao ver o furgão se afastando, um pensamento da mãe fechou essa macabra barganha: “Meu trabalho está feito. O pastor ficará muito feliz por eu ter livrado nossa comunidade do mal, que com certeza é uma penitência de meu falecido marido.”
***
– As pesquisas com as feras lá do porão renderam bem, não acha, parceiro? – Ted consultava seus apontamentos.
– Pode ter certeza disso! Com base nelas, já sabemos a dosagem certa de tranquilizante a aplicar, como funciona a cicatrização acelerada das criaturas, quanto aguentam de porrada, quanto tempo conseguem ficar sem comer... Além disso, percebemos que cada um tem características dos lobos de seu local de origem, ou seja, o comportamento dos lobisomens variam, dependendo de onde vêm.
– Sabe, às vezes eu fico com um pouco de pena... elas são apenas adolescentes.
– Pena? Você tem pena dos porcos quando vê uma dona toda embonecada com maquiagem? Ou se lembra dos ratos quando toma algum remédio? Tem dó dos malditos macacos, quando vê nossos heróis americanos desbravando o espaço?
– Claro que não! É que nesse caso...
– Aquelas coisas lá embaixo não são humanas, são animais! E os animais só servem para duas coisas: para nossa diversão e para servirem de cobaias no avanço da ciência!
– É isso aí, Hell, você tem razão. Nesta noite, faremos o teste final dos elementos, correto? Estou louco para sair deste buraco de rato no meio do nada e partir novamente para a ação.
– Sim, hoje concluiremos nosso sagrado aprendizado. Vamos comer alguns hambúrgueres e tomar umas geladas!
***
Charlene desistiu de lutar pela vida. Nas últimas semanas, foi mal alimentada, dormiu pouco, esteve sempre sob tensão, sem transmutar da forma de loba, enclausurada nesta jaula. Foi cortada, trespassada, queimada. Seu poder de cura, que deveria ser um dom maravilhoso, foi sua ruína, um prolongamento do seu tormento.
O pior não foi a indiferença e a maldade de seus dois algozes, que a feriam e estudavam friamente suas reações. O pior de tudo isso foi a indiferença de sua própria mãe. “Por que não nos aceitou como éramos? Porque não lutou por nós? Onde está o amor incondicional ao próximo, que tanto é pregado nas escrituras sagradas?”
Ela está deitada de costas no fundo da jaula, sentindo o cheiro da terra revirada e olhando para a lua, parcialmente encoberta por nuvens. Lua que parece uma bela pintura, emoldurada pelo quadrado de terra, formado pelas bordas da cova, no fundo da qual sua jaula repousa. “Que assim seja. Nada do que virá após a morte será pior do que esta vida.” Lá em cima, uma escavadeira começa a empurrar a terra para dentro da cova. Escuridão, peso, sufocamento. “Não sentirei saudades...”
E a morte vem, lenta, torturante, impiedosa.
***
Rachel se atira de encontro às grades. Está descontrolada, deixa toda a sua fúria fluir, pensamentos homicidas tumultuam sua mente. Ela quer se vingar daqueles dois, descontar tudo o que fizeram a ela e às suas irmãs, esmagar, dilacerar, cortar e fazê-los sofrer. Um nome flutua no mar de ódio que entorpece a mulher-lobo: Margareth.
Mais um salto insano, e a jaula cai de lado. Ela arranha o chão e as grades com um ímpeto tão violento que algumas garras são arrancadas. Nenhuma dor é sentida. Um traço de pânico toma conta de seu ser, quando o cheiro de querosene invade suas narinas.
O combustível derramado sobre a criatura irrita seus olhos e seus ferimentos. Ela sabe o que vem em seguida, e tudo o que consegue fazer é urrar e se debater em meio às grades. Um fósforo é riscado de maneira displicente e seu trajeto no ar forma um arco, que termina em uma pequena explosão, seguida de uma bola de fogo que urra e esperneia de maneira sobrenatural.
Calor infernal, agonia indescritível. A pele grossa suporta as chamas por mais tempo do que deveria, aumentando o sofrimento. A loba começa a sufocar, por conta das chamas que engole na respiração. Por fim, a desidratação e a falência múltipla dos órgãos internos. Rachel leva doze longos minutos até encontrar o abraço reconfortante da morte.
***
Torpor, fraqueza nos músculos e enjoo. “Mamãe, hoje não quero ir para a escola.” Sarah acha que está no quarto de sua casa, mas na verdade está deitada de bruços, nua em sua forma humana, salivando sem parar.
Por ter sido a principal cobaia das doses de tranquilizante, os últimos dias foram nebulosos e surreais, ela não sabe o que foi pesadelo, delírio ou realidade, em meio a todos os abusos que sofreu. Sua jaula foi içada sobre um pequeno lago, no fundo da velha propriedade alugada para os caçadores.
As polias do suporte que sustenta a jaula começam a ranger, quando um cabo de aço desliza vagarosamente, guiando Sarah para o fundo do lago. O contato com a água gelada é desagradável para a moça, e em débeis movimentos ela tenta em vão alcançar as cobertas imaginárias de sua cama inexistente.
A respiração fraca vai aos poucos enchendo seus pulmões com água. Antes de deixar escapar seu último suspiro, um pensamento invade sua mente: “Por que será que mamãe nunca nos ensinou a nadar? No próximo verão, pedirei isso a ela...”
***
Um dia depois de concluírem a “pesquisa”, Joe e Ted estão no aeroporto de Bangor, preparando-se para voltar para casa. Vansing vai a uma cabine telefônica e faz uma ligação para Washington.
– Alô, Johnny! É o Hell Vansing. Temos mais três Chaneys voltando para casa. Mantenha o protocolo “ninho de cobra” na gaveta. Câmbio, desligo.